Mais que vírus, falta de dinheiro segura brasileiro em casa

Segundo pesquisas, medo do vírus e falta de dinheiro mantém consumidores em casa e lojistas amargam baixo faturamento na pandemia.

Amanda Santos | 24 de Julho de 2020 às 21:00

Chan2545/iStock -

A reabertura do comércio nas últimas semanas escancarou o impacto econômico da pandemia. Mesmo com as lojas abertas, o consumidor está relutante em sair de casa.

A frustração com o movimento observado em lojas, bares e restaurantes levou a uma revisão das expectativas. Na avaliação de associações de empresas, existe um temor do vírus entre a clientela. Mas o que está pesando para o consumidor é principalmente a falta de dinheiro e a insegurança com sua renda no futuro.

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Apesar da reabertura, estabelecimentos amargam falta de movimento. (Foto: Maxvis/iStock)

Dados do IBGE divulgados no dia 17 de julho mostram que a taxa de desemprego acelerou no fim de junho, com o fechamento de mais 1,5 milhão de vagas de trabalho no fim do mês. Entre as empresas, 522 mil suspenderam suas atividades ou fecharam.

“O consumidor está fragilizado economicamente e temeroso do risco de contaminação. O clima nos restaurantes hoje não é convidativo, ainda está parecendo mais um hospital. Enquanto perdurar essa situação, teremos dificuldade de atrair o público”, diz Percival Maricato, presidente da associação de bares e restaurantes de São Paulo.

Vacina como única solução

Por essa razão, a vacina contra a Covid-19, prevista para o ano que vem, é tida por empresários e especialistas como o divisor de águas para uma recuperação do movimento. Enquanto isso, a crise econômica vai continuar agravando a situação de empresas e famílias, deteriorando tanto oferta quanto demanda.

Um estudo da Bain & Company aponta que 66% dos entrevistados no Brasil perderam renda durante a pandemia, sendo que 32% reportam um encolhimento significativo do orçamento.

Segundo pesquisas, brasileiros das classes mais baixas sofreram perda significativa de renda. (Foto: Gabriel Ramos/iStock)

As expectativas de perda de renda são maiores entre os mais pobres, com renda familiar mensal de até R$ 2.078. Entre esses, 35% esperam uma redução expressiva, percentual que cai para 22% entre as famílias de renda média (de R$ 2.079 a R$ 10.390) e 9% para as de renda elevada (acima de R$ 10.391).

Cenário semelhante é retratado em pesquisa encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). Segundo os dados, 52% dos brasileiros empregados (com ou sem carteira) tiveram perda total ou parcial de renda ou salário durante a pandemia.

Brasileiros freiam as despesas

A situação levou a um freio nas despesas: 7 em cada 10 brasileiros dizem ter cortado gastos durante a quarentena, sendo que 36% afirmam que essa redução será permanente. O resultado mostra um aumento de sete pontos percentuais em dois meses — em maio, 29% diziam que o corte seria permanente.

Segundo a pesquisa, a insegurança quanto ao fluxo de renda no futuro (41%) pesa mais na decisão de corte de gastos do que a perda efetiva de recursos (29%). As portas fechadas do comércio ficam em terceiro lugar na lista de motivos para não gastar.

41% dos consumidores teme a falta de renda no futuro. (Foto:SARINYAPINNGAM/iStock)

“A gente sabia que o consumidor estaria receoso por uma questão sanitária evidente, e também por uma desconfiança, porque há uma crise econômica em curso”, diz Fabio Pina, assessor econômico da FecomercioSP. A entidade estima uma perda de R$ 53,7 bilhões neste ano.

O índice de confiança do consumidor, calculado pela FGV, atingiu 58,2 pontos em abril, o nível mais baixo em quase 15 anos. Desde então, o índice se recuperou para a casa dos 70 pontos, mesmo patamar observado quando o Brasil vivia a crise do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Mudança no consumo

Dada a preocupação com a saúde e a perda de renda, Batista classifica o período atual como o da “grande relutância” do consumidor. Esse cenário, no entanto, tem efeitos econômicos heterogêneos.

Quem deve sofrer mais são as atividades que envolvem produtos e serviços não essenciais, como vestuário e entretenimento. Segundo a pesquisa da CNI, mais de 60% dos brasileiros pretende reduzir a frequência das idas a bares, restaurantes, shoppings e lojas de rua após o fim da quarentena em relação à época pré-pandemia.

“Logo na reabertura do comércio teve um boom, mas depois as vendas foram pífias. Oitenta por cento dos nossos lojistas são de vestuário, e o faturamento caiu mais de 60% em comparação com o ano passado”, afirma Aldo Macri, diretor do sindicato de lojistas de São Paulo.

Setores de itens não essenciais são os mais afetados. (Foto: SbytovaMN/iStock)

Esses produtos sofrem não só por sua característica supérflua, mas também porque estão associados a atividades de socialização, diz  Luciana Batista, sócia da consultoria Bain & Company no Brasil. “Vestuário para trabalhar e ir a festas, assim como cosméticos, também são impactados porque as ocasiões de uso foram reduzidas”, explica.

Os empresários incluem ainda as restrições para o funcionamento, como limitação de horário e proibição do uso de provadores, como fatores que desestimulam o consumidor.

Consumo de itens essenciais também mudou com a pandemia

Mesmo considerando apenas os produtos essenciais, como alimentos, houve uma mudança no mix de compras do consumidor. “Nos supermercados, aumentou muito a venda de produtos básicos, mas caiu a de cosméticos. Então você tem um aumento do faturamento, mas com uma margem menor”, afirma Pina.

Além das diferenças por ramo, o impacto também varia segundo o perfil do negócio. O comércio popular tende a sofrer menos do que os voltados para média e alta renda.

Assim como os shoppings, mercados também notam mudança no consumo. (Foto: eldinhoid/iStock)

Isso acontece porque, em períodos de crise econômica, o consumidor toma suas decisões de compra por um critério de preço. Com menos renda disponível, tanto os mais pobres quanto a classe média aumentam a fatia de produtos mais baratos, o que coloca um ônus maior nos negócios de perfil intermediário.

Indiretamente, a própria pandemia impulsiona o comércio popular — especialmente o de bairro — porque o consumidor evita grandes deslocamentos, preferindo ficar próximo de casa, diz Pina.

Maricato, da Abrasel, observa efeito semelhante entre bares e restaurantes. Os localizados em regiões mais centrais, dependentes do fluxo de trabalhadores de escritório, estão sofrendo mais do que os da periferia.

Especialistas defendem apoio governamental

Segundo Tobler, da FGV, enquanto não houver vacina, atravessar a crise vai depender de ações de apoio direto a consumidores e empresas. “Medidas como o auxílio emergencial ajudaram a amenizar o impacto da crise sobre o consumo. E um debate quanto à manutenção da política e as formas de encerrá-la deve ser feito”, diz o economista.

Do lado das empresas, é necessário fazer o crédito chegar aos pequenos negócios. Macri, do Sindilojas, e Maricato, da Abrasel, também afirmam que, na conjuntura atual, a sobrevivência dos seus setores depende mais de uma ajuda direta às empresas do que estímulos à demanda.

FERNANDA PERRIN/FOLHAPRESS