Confira mais uma indicação de livro da escritora e jornalista Claudia Nina. O autor homenageado da vez é Ronaldo Correia de Brito.
Uma tia minha queria muito conhecer a cidade bem pequena onde a mãe dela nasceu, no interior do Maranhão. Dizia que precisava pisar naquele lugar a qualquer custo. Percorrer trilhas, andar nas mesmas ruas, abrir a porta da casa da infância perdida. Eu sinceramente nunca entendi a motivação, já que as paisagens mudam com o tempo. Não só: os cenários onde a mãe dela, no caso minha avó, viveram foram experimentados apenas por ela e ninguém mais. Afinal, os lugares “vivem” em nós de forma individual. O que minha vó conheceu, com seus próprios olhos, pele e sentidos, ninguém mais vai experimentar.
Mas a tia cismava com o projeto e não sossegou enquanto não preparou malas e bagagem para a longa viagem – de ônibus. Sim, porque foi de ônibus que a mãe dela fez o trajeto do Nordeste ao Sul. Não me lembro do resultado da viagem nem se foi algo realmente transformador para a minha tia. Devo dizer, porém, que ao longo do tempo meu pensamento mudou. Se naquela época, eu ainda muito jovem, não conseguia entender o motivo da empreitada, hoje consigo capturar perfeitamente o ensejo. E talvez até me aventurasse por aquele mesmo interior, disposta a refazer os caminhos de minha vó do Nordeste até o Rio de Janeiro… O que eu encontraria?
Transpor essa ideia para uma viagem rumo ao sertão é o que faz o novo r omance de um autor de que gosto bastante, Ronaldo Correia de Brito, em Dora sem véu. A personagem sai em busca da avó desaparecida, mas o que encontra é o que menos procurava. Sempre assim em longas viagens, certo?
Imagino o que eu poderia encontrar caso me aventurasse a procurar as demais “Nina” que restaram naquele longínquo Maranhão. De repente, me ponho a pensar: e se a história fosse outra e meus avós paternos nunca tivessem tirado os pés do Nordeste?
Dora sem véu é também um apurado retrato do sertão contemporâneo em que várias questões pessoais de Francisca, a narradora em busca da avó, acabam aflorando ao longo do trajeto, na carroceria de um caminhão. Sair do eixo onde confortavelmente nos assentamos pode ser o começo de um reencontro ancestral… Fica a dica de um “turismo literário”.
Quem se arrisca a um longínquo familiar para transformar em pessoais as paisagens alheias?
POR CLAUDIA NINA