Solidão: a epidemia silenciosa do século 21

A solidão já se destaca como um flagelo oculto da vida moderna. Veja como uma nova iniciativa comunitária no Reino Unido vêm trabalhando para derrotá-la!

Douglas Ferreira | 9 de Setembro de 2020 às 11:00

Tai11/Shutterstock -

“Uau, é difícil”, suspira Jeanette, comprimindo os lábios. Ela está se referindo a enfrentar uma vida de solidão. Há alguns anos, seu parceiro de 15 anos a deixou.

Depois, um amigo com deficiência de quem ela cuidava havia 20 anos morreu de repente. Hoje, ela está sozinha pela primeira vez na vida e está achando difícil.

“É debilitante”, ela diz, depois de fazer uma pausa. “Você não quer sair de casa porque tem vergonha de como está se sentindo. No entanto, não quer ficar em casa porque está sozinha, e sabe que ninguém vai entrar por aquela porta. É terrível.”

Helen sente o mesmo:

“Se você se sente só, isso acaba levando à depressão, e você não quer ver ninguém, não quer conversar com ninguém”, diz ela.

Helen foi desligada de seu emprego por três meses, quando estava achando difícil lidar com a situação: ela e o marido levaram sustos com a saúde, a filha tem uma doença crônica, ela cometeu um erro com seu caixa no trabalho.

“Meu marido soube que havia algo errado antes de mim. Minha gerente também. Ela me disse: ‘Você não está bem.’ Eu falei: ‘Estou bem.’ Assim como você.”

Helen percebeu que é possível se sentir solitária com a própria família. “Meu marido no trabalho, meu filho na faculdade, minha filha na cama… Eu passava muito tempo simplesmente olhando para a TV. O que não ajuda.”

“A solidão não lhe faz nenhum bem”, comenta Chris, que mora sozinho e teve problemas com bebidas e drogas. “É como uma espiral. Apesar de haver portas abertas, você não consegue atravessá-las; você não consegue se chegar a ninguém, e tende a sofrer as consequências disso sozinho. E quanto mais impotente você se sente por não ser capaz de fazer nada a respeito, pior você fica.”

A epidemia chamada solidão

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A solidão é a epidemia silenciosa do século 21, e cada vez mais motivo de preocupação oficial. “Não são apenas os idosos que se sentem desesperadamente solitários. Recebi cartas de jovens mães e adolescentes com dezenas de amigos nas mídias sociais que ainda assim se sentem muito sozinhos e isolados neste mundo ocupado e frenético”, revela Tracey Crouch, que, este ano, foi nomeada a primeira Ministra para Solidão do Reino Unido.

Ela tem experiência no assunto, pois sofreu a sensação de isolamento após o nascimento do primeiro filho.

É claro que a epidemia não está restrita ao Reino Unido. Uma recente pesquisa da Eurostat em nome da Comissão Europeia descobriu que, em média, 6% da população da União Europeia não tem ninguém a quem pedir ajuda no caso de precisar. Os números sobem para mais de 10% nos Países Baixos, em Luxemburgo e na Itália.

Nos Estados Unidos, uma pesquisa entre pessoas com mais de 45 anos descobriu que mais de um terço delas se sentia só. E, no Japão, existe até um nome para o fenômeno de morrer sozinho em casa, sem que ninguém perceba: kodokushi.

Muitos estudos mostraram que a solidão é ruim para a saúde, relacionando o isolamento social a uma série de problemas, de hipertensão arterial e imunidade baixa a um maior risco de depressão, infarto e AVC.

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Um estudo americano sugeriu que pessoas sem interação social adequada têm probabilidade duas vezes maior de morrer de maneira prematura, o que torna a solidão tão perigosa quanto fumar 15 cigarros por dia.

“Há fortes evidências de que o isolamento social e a solidão aumentam significativamente o risco de mortalidade prematura”, alerta a professora Julianne Holt-Lunstad, especialista na relação entre conexão social e morte.

O que nos leva de volta a Jeanette, Helen e Chris. Os três são da cidade de Frome, conhecida por suas feiras livres, em Somerset, a sudoeste da Inglaterra. O local está no centro de uma iniciativa de saúde cujo efeito está se mostrando memorável tanto no isolamento quanto nos problemas de saúde associados a ele.

O projeto Frome de Compaixão estabeleceu um diretório on-line de agências e grupos comunitários, apoiado por uma rede de voluntários, a fim de ajudar residentes locais a encontrar o tipo de apoio e atividades que desejam.

E isso parece estar quebrando o ciclo familiar da doença que leva ao isolamento, que então exacerba a doença: os números mostram que as internações hospitalares de emergência na região despencaram desde que o projeto começou em 2013.

“Tudo o que estávamos tentando fazer era facilitar o nosso trabalho e melhorar o cuidado aos pacientes”, conta a médica de família Dra. Helen Kingston, sentada em um dos consultórios da nova e moderna unidade de saúde de Frome, inaugurada em 2013 a um custo de 10,5 milhões de libras.

A Dra. Kingston atende na cidade há quase 25 anos. Contudo, foram as oportunidades oferecidas por um grande e centralizado QG, que abriu os olhos dela para novos cenários.

“Criamos um sistema no qual toda vez que alguém sai do hospital é contatado, e, sempre que há uma oportunidade de conversar sobre o que poderia melhorar a vida dessa pessoa, fazemos isso”, diz ela.

“Os médicos precisam estar focados no paciente, perguntar o que é importante para aquela pessoa e tratá-la com compaixão em vez de vê-la como um aglomerado de doenças”, ela complementa. “Isso quer dizer conversar e não recorrer imediatamente ao bloco de prescrições.”

Hoje, Jeanette, Helen e Chris estão sentados em uma sala de convenção clara e arejada da unidade de saúde. Eles estão entre cerca de uma dezena de pessoas que fazem parte de um grupo de encontros semanais coordenado pela Mind, organização de saúde mental sem fins lucrativos para pessoas que sofrem de depressão e ansiedade.

Como funciona o grupo Mind

A Dra. Helen Kingston em conversa com um dos pacientes.

Os integrantes do grupo recebem conselhos práticos sobre cuidar da saúde física e mental. No entanto, as sessões são principalmente a oportunidade de sair de casa, conhecer outras pessoas e compartilhar problemas.

Como diz Ruth, voluntária nas sessões da Mind: “Muito do que acontece é simplesmente o chá e o bolo. É vir e conversar com as pessoas. Tem gente que diz: ‘Essas três horas são o ponto alto da minha semana.’”

E, como Jeanette afirma, é uma oportunidade não só de receber, mas também de dar apoio para outras pessoas.

“Quando eu comecei no grupo, não conseguia ficar mais de dez minutos sem chorar – tudo me abalava”, conta ela. “Mas hoje, passado um ano, quando chegam novas pessoas, consigo ter empatia por seus sentimentos e lhes dizer: ‘Olhe, existe luz no fim do túnel. Você pode sentir que está tão no fundo do poço que nem consegue enxergar a saída. Mas, acredite, as coisas podem melhorar.’”

O grupo MIND é apenas um dos muitos serviços listados nas cerca de 50 categorias do site Health Connections Mendip, o grupo de serviços de saúde da região que faz o programa inteiro funcionar. As categorias não cobrem somente problemas de saúde, mas também questões gerais de assistência social como moradia, transporte, estudo…

As atividades oferecidas variam de canto coral e controle do peso até uma ampla gama de grupos de apoio mútuo. Aproximadamente 650 voluntários treinados na região atuam como “conectores comunitários”, disseminando a informação sobre o que está disponível.

Assim, “conectores de saúde” qualificados oferecem atendimento individual, no qual podem sugerir turmas ou grupos apropriados e ajudar a definir objetivos relacionados à saúde.

Definir objetivos é a meta dos chamados grupos No Caminho Certo, das Conexões de Saúde, onde pessoas com questões de saúde semelhantes podem se encontrar para oferecer apoio mútuo.

“Nós nos encontramos terça sim terça não, durante uma hora e meia, e conversamos sobre tudo”, diz Kathy, que sofre de artrite reumatoide soropositiva desde fevereiro e, em duas semanas, passou de um prestigioso emprego e corridas de carro no fim de semana para o confinamento na cama, em casa.

Com a medicação, ela agora consegue caminhar de muletas, e seu grupo No Caminho Certo representa outra muleta.

“Eles são o grupo de pessoas mais amorosas que existe. Consigo ouvir o que eles estão dizendo e saber que há outras pessoas com os mesmos desafios”, diz Kathy.

Patsy, outra integrante do grupo, é prova da variedade de ajuda disponível. Ela sofreu um grave AVC e aneurismas cinco anos atrás, o que a deixou paralisada por um tempo.

Depois de ter sido apresentada ao Conexões de Saúde, ela agora participa de diversas atividades diferentes, que vão de uma aula de exercícios chamada Movimentos da Maturidade a um Clube de AVC, treinamento em circuito e, é claro, o grupo No Caminho Certo. “Tenho muita sorte”, diz ela. “Fiz amigos maravilhosos nos clubes dos quais participo. Agora, vale a pena viver a vida.”

Shane, outra integrante do grupo, sofre de várias doenças crônicas, entre elas fibromialgia, osteoartrite, asma e doença degenerativa da coluna.

Mas isso não a impede de atuar como uma conectora comunitária e ajudar em um Café com Papo, outra iniciativa do Conexões de Saúde. “Isso tira a pessoa de casa, então ela não fica presa em casa 24 horas por dia, 7 dias na semana, olhando as paredes”, ela ri.

Os Cafés com Papo, que acontecem em cafeterias de verdade em cinco cidades no distrito, permitem às pessoas conhecer outras e também ser direcionadas para diferentes serviços.

“Alguém me falou: ‘Parece um pouco com uma igreja – nós sempre sabemos que você vai estar lá e sempre haverá alguém com quem conversar’”, diz Jenny Hartnoll, a sempre animada chefe de serviços do Health Connections Mendip, que criou o website e desempenha um papel principal no projeto.

Tanto Jenny quantoa Dra. Kingston são enfáticas em afirmar que esse não é simplesmente um programa sobre solidão. “É um programa para tentar ajudar as pessoas a obterem o máximo de suas vidas”, diz a Dra. Kingston.

“Parte dele tem a ver com interromper o processo de solidão, mas parte é sobre pessoas que não são sozinhas e que são apenas moderadamente conectadas com a comunidade e dar a elas uma conectividade maior. Todos nós podemos nos beneficiar de termos mais conexões e mais apoio – e de dar mais suporte a outras pessoas, porque esse é um processo de mão dupla. Se todo mundo recebe cada vez mais ajuda, é aí que se vê o efeito em cadeia.”

Um exemplo desse efeito em cadeia é a queda de 17% nas internações hospitalares de emergência em Frome ao longo de três anos, ao passo que aumentaram em 29% no restante de Somerset no mesmo período. “Isso faz todo o sentido para mim”, diz a Dra. Kingston.

“Acredito que, se você tem um propósito na vida e se sente parte de uma comunidade, é muito mais fácil cuidar de si mesmo. Se você se sente isolado, não sente que sua vida tem valor, não está oferecendo a outra pessoa algo que faça você se sentir bem, não sente que está se envolvendo com as coisas, então você tem muito mais propensão de não estar cuidando de si mesmo e terminar mal.”

Os benefícios do projeto Frome parecem óbvios. Em um mundo de solidão, criar comunidades encoraja o cuidado e a compaixão pelos outros. Talvez seja a hora de outras cidades – e países – seguirem o exemplo.

Lidando com a solidão

 

Tommaso79/iStock

Se você se sente afetado pela solidão, informe-se sobre grupos comunitários e organizações nacionais que irão encorajar e valorizar a sua participação. E peça ao seu médico que indique um grupo social ou um projeto de amigos que possa aumentar seu bem-estar.

Existem muitas maneiras de contribuir com seu tempo, suas habilidades e experiência, encontrar companhia estimulante e ter a oportunidade de fazer amigos:

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Por Tim Hulse