Médico explica consequências de diagnóstico tardio de mucopolissacaridoses

A mucopolissacaridoses não tem cura, mas com tratamento adequado, é possível controlar a doença e aumentar a expectativa de vida do paciente.

Julia Monsores | 25 de Junho de 2021 às 15:04

dolgachov/iStock -

Sem sua inclusão no teste do pezinho ampliado, o diagnóstico da mucopolissacaridose tipo II, doença genética que faz parte do grupo de erros inatos do metabolismo, acaba sendo demorado e complexo, uma vez que ela se apresenta progressivamente, e há múltiplos sintomas e muitos são comuns a outras patologias.

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De acordo com o estudo qualitativo “Jornada do Paciente MPS II”, realizado pelo Instituto Inception Consultoria e Pesquisa, instituto de pesquisa focado na área da saúde, e encomendado pela JCR Farmacêutica, cuidadores de pacientes com mucopolissacaridose (MPS) relatam que passaram por mais de cinco médicos diferentes, incluindo pediatra, otorrinolaringologista, ortopedista, neurologista e cirurgião, até ser levantada a suspeita de uma doença rara e o diagnóstico ser realizado, usualmente pelo geneticista.

Esse percurso pode durar até quatro anos e, ao longo desse tempo, a doença vai se agravando, reduzindo a expectativa de vida do paciente que, sem tratamento, na maioria dos casos, não atinge a idade adulta.

Isso acontece porque, em cada uma das diferentes mucopolissacaridoses, a produção de uma das enzimas responsáveis pela degradação de compostos específicos é afetada e o acúmulo dos mesmos no organismo do paciente, de forma progressiva, provoca diversas manifestações.

Dessa forma, quanto mais tempo se passa sem tratamento, piores são as consequências.

Demora no tratamento da mucopolissacaridose agrava quadros

O pediatra é o médico que tem contato com o bebê e pode perceber as primeiras manifestações da doença, que muitas vezes acontecem já nos primeiros meses de vida. Ao se deparar com o problema, especialistas como otorrinolaringologista, ortopedista e cirurgião pediátrico são indicados para acompanharem as complicações da doença que aparecem na infância.

“Otites recorrentes que muitas vezes levam à colocação de drenos no tímpano, cirurgias para retirar adenoides e amígdalas, ou para corrigir hérnia umbilical ou inguinal, são alguns dos procedimentos comuns nos pacientes com MPS, geralmente realizados antes que o diagnóstico esteja estabelecido”, comenta o Prof. Roberto Giugliani, médico geneticista do HCPA – Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

“Seria importante que, embora sejam situações frequentes, esses procedimentos gerassem um questionamento sobre a possibilidade de MPS, especialmente quando mais de um deles está presente num mesmo paciente, ou então associado a algum outro problema, como deficiência auditiva, restrição articular ou alteração na coluna”, complementa Giugliani.

Como os médicos muitas vezes não têm informações sobre doenças raras, que são muitas e individualmente pouco frequentes, demora-se até suspeitar da doença e encaminhar para um especialista.

Entre os problemas que ocorrem com os pacientes com MPS que não recebem o tratamento adequado, incluem-se:

As mucopolissacaridoses (MPS)

Com a demora do diagnóstico a a doença vai se agravando. (Imagem: evgenyatamanenko/iStock)

Por ter sintomas comuns a outras patologias, o diagnóstico das mucopolissacaridoses acaba sendo demorado e complexo. Todas as manifestações físicas e neurológicas são provocadas pela falta ou deficiência de enzimas necessárias para atividades químicas importantes para o organismo.

A incidência das mucopolissacaridoses é de cerca de 1 para cada 20 mil nascidos vivos. De acordo com a enzima que se encontra deficiente, as mucopolissacaridoses podem ser classificadas em 11 tipos diferentes.

No Brasil, o tipo II, conhecido como síndrome de Hunter, é o mais prevalente – são 0,48 para cada 100.000 nascidos vivos, com uma média de 13 novos casos ao ano. Ocorrendo quase exclusivamente em pessoas do sexo masculino, a MPS II, sem o tratamento adequado, pode causar a morte do paciente precocemente.

De acordo com dados da Rede MPS Brasil, entre os anos 1982 e 2019, foram diagnosticados 493 pacientes com a MPS tipo II em nosso país. O diagnóstico dessa doença ganhou um novo aliado com a aprovação e sanção do Projeto de Lei que visa a ampliar as doenças que devem fazer parte do Teste do Pezinho, realizado no âmbito do SUS. 

Tratamento

A MPS não tem cura. No entanto, com um tratamento adequado, é possível controlar a doença e aumentar a expectativa de vida do paciente.

Segundo o médico geneticista do HCPA e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Dr. Roberto Giugliani, a Terapia de Reposição Enzimática (TRE), com infusões semanais de enzima deficiente nesses pacientes, foi um importante avanço no tratamento das MPS, embora tenha algumas limitações, como o fato de não penetrar no sistema nervoso, já que em ⅔ dos pacientes com MPS II a doença afeta também o cérebro.

“Novos recursos terapêuticos, como os que utilizam enzimas que são capazes de chegar ao cérebro, ainda que tenham sido administradas no sangue, irão permitir tratar as manifestações neurológicas. A combinação dessas novas tecnologias de tratamento com o diagnóstico precoce, idealmente por meio do Teste do Pezinho, trará um ganho significativo na qualidade de vida dos pacientes com MPS”, explica Dr. Giugliani. 

Por Rosana Duda e Julia Monsores