Mistério médico: atrás de uma bactéria rara

Com o nível elevado de proteína C-reativa de Stefano, os médicos não conseguiam encontrar a bactéria rara que havia se instalado em seu corpo.

Julia Monsores | 19 de Setembro de 2019 às 19:00

Dr_Microbe/iStock -

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Como muitos idosos, Stefano tinha alguns problemas de saúde, como diabetes, doença renal em estágio inicial e doença cardíaca. Em novembro de 2017, fez uma cirurgia para desobstruir uma artéria no pescoço, e tudo correu bem. Em termos gerais, Stefano, pai de dois filhos adultos, levava uma vida relativamente tranquila com a mulher. No entanto, três meses depois da cirurgia ele começou a se sentir fraco e nauseado. Também passou a ter diarreia. Em dois meses, perdeu mais de dez quilos.

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Por recomendação de um amigo da família, Stefano procurou o Dr. Raffaele Landolfi, no Hospital Universitário Gemelli, em Roma. Landolfi viu que o paciente estava gravemente desnutrido, mas os sintomas constituíam uma questão a ser analisada por seus colegas gastroenterologistas. No entanto, depois de dez dias de exames naquele departamento, os médicos não encontraram resposta.

A família implorou novamente pela ajuda de Landolfi, que concordou em internar Stefano no departamento de medicina interna. Lá, descobriram que o exame de sangue e de função hepática de Stefano eram normais. O exame de tuberculose deu positivo, mas adultos podem estar infectados sem desenvolver a doença. Além disso, Stefano não se queixava de problemas no pulmão.

O mais problemático era o nível elevado de proteína C-reativa de Stefano, que indicava inflamação em algum ponto do corpo. A colonoscopia só revelou poucos pólipos e algumas áreas mais fracas na parede do cólon, e o médico resolveu fazer uma tomografia do abdome. 

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O exame mostrou vários nódulos linfáticos abdominais aumentados. Somado aos sintomas de má absorção, como diarreia e emagrecimento inexplicável, isso pode indicar linfoma. Tipicamente, esse tipo de câncer também provocaria febre, mas Landolfi sabia que a biópsia era necessária.

É compreensível que a menção de câncer angustiasse bastante Stefano e sua família. Landolfi diz que, embora quisesse franqueza dos médicos, Stefano estava ansioso para ter um diagnóstico inequívoco e não meras teorias. 

A biópsia foi negativa para o câncer, mas a amostra continha grande número de macrófagos, glóbulos brancos do sangue que combatem micro-organismos. Isso indicava que Stefano estaria com algum tipo de doença infecciosa. Mas, embora o exame de tuberculose fosse positivo, a amostra não continha o bacilo.

Como a possibilidade de câncer ainda não podia ser eliminada, mais amostras seriam necessárias. “Havia algo estranho em seus nódulos linfáticos”, diz Landolfi. “Mas não se pode fazer biópsias por toda parte.”

Na segunda tentativa, ele escolheu a parede do intestino delgado de Stefano, que também deu negativa.

Uma bactéria rara

Se Stefano realmente tivesse uma bactéria, teria de ser uma bactéria rara. Há pelo menos 1.400 agentes infecciosos que podem causar doenças. E o tempo estava se reduzindo para Stefano. Em idosos, explica o médico, a má absorção pode ser perigosa e até fatal quando prolongada, seja qual for a causa. Landolfi teve de convencer o patologista a continuar procurando. “Na medicina, às vezes é preciso ser teimoso.”

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A persistência deu certo. O bacilo da tuberculose é classificado como uma micobactéria, grupo que também contém outros tipos. A equipe de Landolfi procurou DNA micobacteriano numa amostra das fezes. O exame foi positivo. Pelo menos, estavam no caminho certo. A amostra original do nódulo foi novamente examinada e, dessa vez, descobriu-se que estava infectada por uma espécie chamada M. chimaera.

“Fiquei aliviado”, diz Landolfi. “A razão mais importante foi por Stefano, obviamente, mas também porque eu tinha convencido esse paciente idoso a passar por todos aqueles procedimentos!” Agora que conhecia a identidade da culpada, Landolfi a encontrou na amostra do intestino delgado e até na urina de Stefano.

Uma bactéria difícil de controlar

Descoberta há 15 anos, a M. chimaera é uma das espécies do complexo Mycobacterium avium. Elas se encontram na água e no solo, mas as infecções em seres humanos estão aumentando, principalmente em pacientes hospitalizados. Acredita-se que a M. chimaera seja disseminada até pelos ventiladores usados em salas de cirurgia, e não é fácil limpá-la com desinfetantes comuns. Embora o risco geral seja baixo, estimado em menos de três casos em mil cirurgias abertas, de acordo com um estudo do Reino Unido, até 60% das infecções são fatais. Landolfi diz que são necessários mais estudos para determinar a estratégia de prevenção mais eficaz.

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Não há como saber se Stefano foi infectado na cirurgia feita alguns meses antes ou se foi apenas uma coincidência. Isso continua sendo um mistério médico. Stefano tomou antibióticos durante sete meses e, hoje, não tem sinal da infecção. “Ele está ganhando peso e se sente melhor”, diz Landolfi. “Está mais forte e novamente independente.”

por Lisa Bendall

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