Como seria um dia na vida do seu nariz?

E se... seu nariz pudesse falar? Acompanhe um dia contado por ele mesmo e descubra coisas incríveis sobre essa parte do corpo!

Iana Faini | 27 de Agosto de 2019 às 12:00

SERGE BLOCH -

E se… seu nariz pudesse falar? Acompanhe um dia na vida dessa parte tão importante do corpo, contado por ele mesmo, e descubra fatos incríveis:

A melhor parte do dia

São sete horas da manhã e, na cama luxuosa de um lindo hotel, acabei de acordar a minha Dona e o marido com um ruidoso espirro. É um despertar grosseiro, mas aqui é seco e poeirento, e o quarto está gelado. Essa combinação acaba com a umidade do ar e me entope. Se ela me arranjasse um umidificador ou um pouco de soro fisiológico, eu me comportaria melhor.

Hoje estamos de férias, numa viagem romântica. A Dona joga longe as cobertas e vai para o melhor lugar do mundo: o chuveiro. Ah, que alívio! Não há nada melhor que respirar esse ar quente e úmido. Minhas vias se abrem e consigo sentir cheiros outra vez. Bem na hora. A próxima parada da Dona é o restaurante do hotel e, assim que as moléculas aromáticas do café e das torradas chegam aos neurônios do olfato, peço ao cérebro que mande uma mensagem à Dona: “Querida, você está faminta.”

Se ela não tivesse me desentupido, essa refeição seria tão agradável quanto um parque de diversões sem energia elétrica. Ela pode agradecer a todas as papilas gustativas pela transmissão do delicioso sabor dos ovos com bacon e da geleia de morango, mas tenho um segredinho: as papilas gustativas só conseguem decifrar os sabores mais básicos, como salgado, doce e azedo.

Todos os outros sabores que fazem a Dona salivar (ou fazer cara de nojo) são orquestrados pelo papai aqui.

No fundo da garganta, depois que a Dona engole, o aroma da comida estimula meus receptores do olfato e pronto: ela passa a saber a diferença entre morango e cereja.

Meu serviço mais importante

Provavelmente a Dona acha que eu, nariz, só sirvo para cheirar. Mas, na verdade, sou um agente secreto do pulmão. Veja só: a Dona inala quase dez mil litros de ar por dia e alguém tem de cuidar para que esteja tudo em ordem. Primeiro, aqueço e umidifico o ar inalado para que não agrida nem resseque o pulmão. Depois, uso meu muco para agarrar vilões de todo tipo, de poluição a vírus. Produzo um litro de muco por dia e o mando pela garganta até o estômago, onde o ácido mata quase tudo o que estiver preso nele.

Minhas vias aéreas, aliás, não são apenas buracos que sugam o ar como canudinhos: elas são forradas de espessas protuberâncias ósseas chamadas concha nasal. As protuberâncias regulam e retardam o fluxo descendente de ar e me dão mais tempo para deixar o ar inalado na temperatura do corpo e para umidificá-lo com secreções aquosas (muco, não; esse é outro fluido).

Nenhuma outra criatura tem um nariz como eu. Meu inigualável formato externo ajuda a manter fresco e hidratado o pulmão da Dona mesmo em pleno sol do meio-dia.

E vocês, humanos, querem cortar e remendar essa maravilha evolucionária? Pelo bem dos seus pulmões, cuide bem do nariz, colega.

Freio para os alérgenos

Próximo compromisso na agenda: uma caminhada pelo bosque. Uau, isso é muito melhor que o ar do escritório! A Dona concorda. “Está sentindo esse perfume?”, pergunta ao marido. “É”, responde ele meio reticente. É claro que as flores de laranjeira não o animam muito. Não é que esteja entediado. As mulheres têm o olfato mais apurado e o odor as afeta de maneira mais emocional.

Cuidado, atenção! Peguei aquele detrito com meus cílios microscópicos. Ah, não, é pólen! Daqui a alguns segundos, a Dona vai me amaldiçoar por causar problemas no paraíso. Ela é alérgica e isso significa que, no meu muco, tenho patrulheiros rápidos no gatilho. Quando percebem algum encrenqueiro, mandam as células do sistema imunológico ao ataque.

A arma preferida é a histamina, substância que tem um efeito parecido com o do gás lacrimogêneo. Argh! Fico inundado de secreções aquosas na tentativa de limpar as instalações. Claro que a Dona não consegue respirar direito, mas se o invasor fosse uma ameaça mais grave, como um vírus, eu estaria lhe fazendo um favor.

Quando a Dona pede um lenço de papel, fico com vontade de gritar: Não me aperte! Detesto quando ela tenta reprimir o espirro. Será que não percebe que o espirro expulsa esses vagabundos irritantes? Entendo: as alergias não são sensuais. Mas a culpa não é do nariz, é do sistema imunológico. E se chegou a hora de dizer quem é culpado de quê, ela não deveria se esquecer de tomar os antialérgicos.

Minha memória espantosa

Finalmente chega a hora do jantar. Enquanto a Dona examina o cardápio, percebo o aroma conhecido de alguém que passa. Faz décadas, mas eu reconheceria esse cheiro em qualquer lugar: o perfume que aquele garoto que ela adorava na escola usava. A Dona sorri saudosa com a lembrança evocada. O olfato é uma máquina do tempo emocional.

Minha capacidade fantástica de perceber odores também estimula outro tipo de apetite… pois é. Por mais que os seres humanos tentem disfarçar seus cheiros, a mulher escolhe o parceiro em parte pelo aroma. As axilas dos homens emitem muita informação. E o marido da Dona está com um cheiro muito atraente.

Com meu papel de cupido já cumprido por hoje, a Dona está prestes a dormir. Mas assim que a cabeça repousa no travesseiro, sinto a pressão aumentar. A Dona acha que é maldade minha entupir sempre que ela tenta adormecer, mas não posso fazer nada contra a força da gravidade. Se ela dormisse em pé como um cavalo, meus vasos sanguíneos não inchariam tanto e não me deixariam entupido.

Quem respira pela boca é um péssimo companheiro de cama. Mas o marido da Dona parece aceitar isso com espírito esportivo. Quanto a mim, não posso dizer o mesmo, aqui à toa enquanto a boca faz meu serviço. Mas estamos em férias e tentarei ser complacente – desde que ela tome o remédio da alergia amanhã… e peça mais ovos com bacon.

Por JILL PROVOST