Agrotóxico associado à doença de Parkinson pode voltar a ser liberado no Brasil

Anvisa volta a discutir sobre a possibilidade de revisão do prazo para tirar do mercado o agrotóxico associado à incidência da doença de Parkinson.

Julia Monsores | 24 de Agosto de 2020 às 14:00

alffoto/iStock -

Após ter decidido em 2017 pelo banimento do paraquate, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) voltou a discutir na última terça-feira (18) sobre a possibilidade de revisão do prazo para tirar do mercado o agrotóxico associado à incidência da doença de Parkinson entre agricultores.

O relator do processo, Rômison Mota, votou contra a revisão do prazo de banimento, previsto para 22 de setembro, por falta de justificativa para a alteração da data.

Assim, o tema teve pedido de vista e saiu da pauta, mas pode voltar a ser discutido em uma próxima reunião.

Cresce mobilização para evitar que agrotóxico continue a ser usado

(Imagem: sakhorn38/iStock)

Entidades ambientalistas reagiram à iniciativa da Anvisa de discutir o adiamento da proibição do agrotóxico. O Greenpeace afirma que o adiamento vai manter o país na condição de “país de segunda categoria”.

“Ao usar o Brasil para escoar venenos já banidos há muito tempo de outros países, por comprovado malefício à saúde humana, as empresas praticam o duplo padrão com aval das autoridades brasileiras”, afirma em nota Adriana Charoux, porta-voz da campanha de Agricultura do Greenpeace Brasil.

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A representante do Greepeace salienta que existem evidências científicas fartamente documentadas a respeito do agrotóxico. E assim, a Anvisa está contrariando sua razão de ser ao colocar em análise o assunto, pois deveria resguardar a saúde dos brasileiros.

“Contraria também pareceres da própria agência sobre a alta toxicidade aguda do paraquate e potencial de desencadear a doença de Parkinson. O risco de adiar ainda mais a eliminação de substância tão perigosa para as pessoas demonstra que a Anvisa se curvou à pressão das grandes empresas e de um governo que corre para desmontar as medidas que protegem os direitos e a vida”, afirma.

Tentativa de revisão do prazo para banimento do agrotóxico já havia ocorrido antes

(Imagem: Petmal/iStock)

O Ministério Público Federal (MPF) em Dourados (MS), que defendia a retirada dessa pauta da reunião, já havia conseguido na Justiça o impedimento da reavaliação pela Anvisa ainda no fim de março através de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

Nas duas tentativas de revisão do prazo sobre o paraquate, as minutas das propostas não foram divulgadas no site da Anvisa. Questionada pela reportagem, a agência não respondeu sobre o motivo de não ter divulgado a pauta.

A reunião que havia sido agendada pela Anvisa para 31 de março foi considerada ilegal pelo MPF pela falta de apresentação de novos estudos que pudessem mudar a decisão de 2017, que dava aos fabricantes a chance de apresentar novas evidências sobre a segurança do produto como condição para uma reavaliação.

Eventuais novas evidências deveriam excluir o potencial do paraquate de causar mutações em células germinativas, através de estudos de mutagenicidade e biomonitoramento, mas nenhum novo estudo foi apresentado até o momento.

Em nota enviada à reportagem, a Força Tarefa Paraquate, que reúne os fabricantes de agrotóxicos à base da substância, afirma que sua defesa se baseia em “conclusões técnico-científicas de vários outros países e, ainda, através dos resultados dos estudos que estão sendo conduzidos”.

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O grupo de fabricantes também diz esperar que a Anvisa considere a importância econômica do produto.

“A Força Tarefa valoriza e apoia os esforços da Anvisa em conduzir uma avaliação abrangente, que sempre deve considerar a importância agronômica e econômica do Paraquate para a agricultura brasileira, sem prejuízo da segurança e saúde dos agricultores e consumidores”, diz a nota.

“Se há problema toxicológico, como a Anvisa avaliou em 2017, não há razão para o produto estar no mercado. Como vamos contornar isso é outra questão”, avalia Fernando Adegas, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa.

A maior parte do uso do paraquate – 65% – destina-se à dessecação pré-colheita, principalmente de soja. Enquanto 33% é aplicado no manejo da pré-semeadura, e apenas 2% é usado em jatos dirigidos em culturas perenes, segundo Adegas.

Manejo integrado é a solução para substituição do paraquate

(Imagem: stevanovicigor/iStock)

Segundo ele, o maior desafio para a substituição do paraquate está no manejo pré-semeadura. Isso porque o paraquate tem ação total, portanto é usado como solução única para limpeza da área antes do plantio.

Assim, sua substituição deve implicar na combinação de produtos, o que aumenta a dificuldade técnica e também o custo.

As alternativas podem custar de 40% até 120% mais que o paraquate, segundo Adegas, que cita estimativa feita em 2018 pela Embrapa. Ela projeta um aumento do custo de R$ 400 milhões por ano.

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O valor, no entanto, refere-se aos 11 milhões de hectares onde o produto é aplicado hoje no Brasil, significando um aumento de R$ 36 por hectares ao ano.

“O grande avanço que podemos ter com isso é o manejo integrado, que também vale para grandes áreas. Com menos agroquímico e mais técnica, o manejo fica mais sustentável e, no médio prazo, o custo diminui e o controle fica facilitado.”, aponta Adegas.

ANA CAROLINA AMARAL|| FOLHAPRESS