Novas soluções para a dor nas costas

Depois de fraturar a coluna lombar há quatro anos, Marty Huggins diz que passou “dois anos deitada num sofá felpudo marrom na sala de estar. Eu tinha medo

Redação | 1 de Dezembro de 2020 às 15:22

Imagem: SiberianArt/iStock -

Depois de fraturar a coluna lombar há quatro anos, Marty Huggins diz que passou “dois anos deitada num sofá felpudo marrom na sala de estar. Eu tinha medo de machucar as costas se me mexesse um pouquinho”. A dor nas costas forçou a professora de educação física de 65 anos, moradora de Stafford, no estado americano da Virgínia, a se aposentar, e ela deixou de ir à academia.

Mas, apesar das incontáveis consultas a especialistas, que realizaram toneladas de exames, lhe aplicaram dúzias de injeções de esteroides e lhe ofereceram regularmente analgésicos opioides, nada resolveu.

O que foi preciso para Marty finalmente domar a dor? Ela mudou seu cérebro

Marty começou pesquisando programas de controle da dor e acabou encontrando o Programa de Reabilitação da Dor Crônica na Clínica Cleveland, que ficava perto da casa de uma de suas filhas. Ela se matriculou em várias aulas para saber como o cérebro e o corpo interagem.

Aprendeu a relaxar com a meditação da atenção plena e a domar o medo e a ansiedade causados pela dor nas costas com a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Também descobriu a importância de dormir bem e superou a hesitação em retomar os exercícios.

Marty começou até a tomar antidepressivos, não porque estivesse clinicamente deprimida, mas porque o medicamento ajuda a reduzir o volume das mensagens de dor disparadas pelo sistema nervoso.

“Agora caminho pelo monte Shenandoah. Pesco de barco no rio Potomac com meu marido e nossos netos”, conta ela. “Realmente, podemos acalmar o corpo e mudar o cérebro a fim de reduzir a dor. Nunca mais passei um dia inteiro naquele sofá!”

Será que a cura da dor nas costas, tanto a crônica quanto a de curto prazo, começa com uma simples mudança de atitude? A ideia parece maluca.

A dor nas costas causa verdadeira agonia em milhões de pessoas; uma pesquisa de 2014 que abrangeu toda a Europa constatou que 40% dos entrevistados já tinham sofrido dores nas costas e no pescoço.

Mas continuam a aumentar os indícios de que a abordagem convencional, com exames de alta tecnologia, injeções na medula, analgésicos opioides e cirurgia, pode não resolver – e é capaz até de piorar a situação.

No primeiro estudo sobre o uso a longo prazo de opioides para a dor nas costas, veiculado em março de 2018 na publicação Journal of the American Medical Association, os participantes que tomaram esses medicamentos relataram, em um ano, nível mais alto de dor do que quem tomou acetaminofeno ou anti-inflamatórios não esteroides.

“Na verdade, o uso de opioides no longo prazo aumenta a dor, além de causar dependência”, explica o Dr. Xavier Jimenez, diretor médico do programa da Clínica Cleveland que ajudou Marty.

Enquanto isso, as pesquisas mais recentes de importantes especialistas em dor revelam que estratégias não tecnológicas podem ser surpreendentemente eficazes.

Num estudo de 2016 da Universidade de Washington, por exemplo, 342 pessoas com dor lombar crônica foram divididas aleatoriamente em três grupos.

Os pacientes do primeiro grupo receberam o “tratamento convencional” – o tratamento e as orientações prescritos por seus médicos. Além de receber todo o tratamento médico necessário, o segundo grupo praticou ioga e meditação da atenção plena, e o terceiro teve aulas de terapia cognitivo-comportamental durante oito semanas.

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Cerca de 44% dos que estavam nos grupos da meditação e da TCC tiveram melhora significativa da dor em seis meses, comparados a apenas 26% do grupo do “tratamento convencional”. “É comum a fisioterapia e as terapias de mente e corpo serem tão ou mais eficazes que cirurgias e injeções, apesar de parecerem menos ‘clínicas’”, diz o Dr. Jimenez. “Também são mais seguras.”

É claro que não são recomendadas em todos os casos. Algumas dores exigem tratamento mais invasivo e imediato. Se a dor nas costas vier acompanhada de problemas na bexiga ou no intestino ou se você sentir fraqueza muscular progressiva nas pernas – por exemplo, se os joelhos cedem ou você tropeça muito –, chame o médico imediatamente ou vá ao pronto-socorro.

“Caso a dor se irradie pela perna ou provoque dormência e formigamento na perna ou no pé, procure o médico. Pode ser uma raiz nervosa comprimida que exige atenção”, alerta o fisioterapeuta Dr. Anthony Delitto, pesquisador da dor nas costas, decano da Escola de Ciências da Saúde e da Reabilitação e professor do Departamento de Fisioterapia da Universidade de Pittsburgh.

Dores nas costas que duram 12 semanas ou mais são consideradas crônicas. Se a causa não for óbvia (uma queda ou acidente de carro, por exemplo), não trate apenas os sintomas, usando, digamos, anti-inflamatórios não esteroides, como ibuprofeno.

É importante trabalhar com o médico para descobrir o que está acontecendo. “A dor pode ser um sinal de lesão contínua nos tecidos ou nervos ou problemas da coluna que precisam ser tratados”, adverte Beth Darnall, Ph.D., cientista da dor e professora associada do Departamento de Anestesiologia e Medicina da Dor e Perioperatória da Escola de Medicina da Universidade Stanford.

Se a dor nas costas é nova, mantenha as atividades diárias, mas vá com calma nos exercícios. Na maior parte dos casos, você começará a se sentir melhor em três dias. Assim que estiver melhorando, converse com o médico sobre a incorporação das seguintes estratégias para se manter sem dor.

Exercite-se sozinho ou na fisioterapia

Caminhadas e outras atividades melhoram as costas porque fortalecem os músculos, aliviam a tensão e o estresse, controlam o peso e – bônus! – provocam a liberação de substâncias químicas no cérebro que promovem o bem-estar.

Num estudo israelense de 2013, com 52 pessoas de 18 a 65 anos com dor lombar e que não se exercitavam, um programa de caminhadas na esteira foi tão bom quanto exercícios específicos para as costas com a finalidade de fortalecer os músculos de sustentação do tronco e melhorar a capacidade dos pacientes de realizar as atividades cotidianas.

Não gosta de andar? “Experimente o elíptico, a bicicleta, a natação ou alguma outra atividade que não sobrecarregue as costas, mas faça você se mexer”, sugere Delitto. “Caso sinta desconforto, tente continuar uns 10 a 15 minutos. Então, reavalie como se sente algumas horas depois. O mais provável é que se sinta melhor do que antes de se exercitar.”

Outras pesquisas indicam que a ioga pode ser tão boa quanto a fisioterapia para a dor lombar crônica.

Na verdade, a ioga e o tai chi chuan estão entre as terapias não medicamentosas que o American College of Physicians recomenda a quem sofre de dor nas costas antes de recorrer aos analgésicos, principalmente os fortes, só vendidos com receita médica.

Numa pesquisa americana recente com pessoas com dor nas costas, 90% das que praticaram ioga ou tai chi chuan sentiram alívio, comparadas a 64% das que simplesmente seguiram os conselhos do médico.

Se teme exacerbar a dor nas costas quando se exercitar, peça ao médico que lhe indique um fisioterapeuta. Num estudo de maio de 2018, pesquisadores constataram que pessoas com dor lombar que fizeram fisioterapia antes de outros tratamentos tiveram 89% menos probabilidade de precisar de opioides e 15% menos chance de ir ao pronto-socorro.

Controle a mente

Os cientistas da dor estão estudando atentamente uma mentalidade comuníssima chamada catastrofização.

“É normal proteger as costas quando elas doem”, explica Delitto. “Mas, em algumas pessoas, isso leva ao medo de que qualquer movimento cause mais danos. Assim, as pessoas param de se exercitar e de trabalhar, suspendem as atividades cotidianas. Isso enfraquece os músculos, enrijece as articulações, aumenta o peso e causa depressão e ansiedade.”

A catastrofização da dor tem papel importante na resposta ao tratamento e pode tornar crônica a dor aguda nas costas. Também foi ligada à maior dependência de opioides.

A catastrofização pode alimentar até a “sensibilização central”, um cruel circuito de retroalimentação no qual o cérebro interpreta como agonia pequenas pontadas.

“A pesquisa mostra que, quando se trata a catastrofização, a intensidade da dor diminui. O funcionamento cotidiano melhora. E a estrutura das áreas do cérebro envolvidas com o processamento da dor muda, de modo que o benefício persiste”, diz Beth Darnall.

As terapias de mente e corpo, como meditação, relaxamento muscular progressivo e respiração profunda, ajudam a acalmar o sistema nervoso para que ele não reaja tão intensamente à dor. A TCC, que auxilia na identificação de pensamentos negativos e na criação de alternativas positivas, interrompe o ciclo do medo.

“Pensamentos como ‘não posso fazer nenhuma das coisas de que gosto por causa da dor’ podem ser substituídos por ‘há muitas coisas que posso fazer hoje apesar da dor’ e ‘embora tenha dificuldade agora, posso empregar várias estratégias para manter a calma e me sentir melhor’”, explica a cientista Darnall.

Não leva muito tempo para os efeitos surgirem. Num estudo de 2014 com 76 homens e mulheres com vários problemas de dor crônica, a cientista constatou que uma única sessão de duas horas de TCC ajudou os participantes a catastrofizarem menos em um mês.

Priorize o sono profundo

Quase seis em cada dez pessoas com dor nas costas dizem que ela interfere no sono, o que provoca um círculo vicioso. “O sono é o jeito do corpo de se recuperar naturalmente”, observa Kevin Ho, principal pesquisador do Grupo de Pesquisa Musculoesquelética da Universidade de Sydney.

“Começamos a perceber indícios de que dormir mal perturba os processos corporais, inclusive a sensibilidade à dor e a inflamação no cérebro e na medula espinhal.”

Uma revisão recente de 24 estudos realizados com mais de 1.550 homens e mulheres, feita pela Universidade de Sydney, deu atenção ao modo como o sono alivia a dor nas costas e constatou que quem experimentou a TCC ou tomou melatonina teve melhora de 35% no sono e de 14% na dor.

O simples ajuste da posição para dormir já ajuda. Num estudo português de 2016 com 20 mulheres entre os 60 e os 70 anos com dor lombar, as que dormiram de lado com um travesseiro entre as pernas ou de costas com uma almofada triangular sob os joelhos relataram redução significativa da dor nas costas em quatro semanas, quando comparadas com o grupo de controle que não mudou a posição noturna.

Em outra pesquisa, os exercícios que fortalecem os músculos centrais do tronco reduziram a dor nas costas, melhoraram o sono e ajudaram a aliviar a depressão e a ansiedade.

Alívio da dor nas costas sem tecnologia

Pesquisas recentes confirmaram que a massagem e o calor, além de agradáveis, também dão alívio duradouro à dor lombar crônica. Num estudo publicado na revista Pain Medicine, os participantes receberam dez massagens no decorrer de 12 semanas.

Metade deles relatou melhora clinicamente significativa da dor nesse período, qualquer que fosse o tipo de massagem, e a maioria continuou a se sentir melhor durante 24 semanas.

Do mesmo modo, por aumentar o fluxo de sangue na área, enfaixamento, adesivos e cremes que esquentam ajudaram a aliviar as dores musculares, de acordo com uma análise de 2016 publicada na revista Journal of Chiropractic Medicine. Além disso, estudos mostraram que massagem e calor auxiliam as pessoas a se manter mais ativas, o que também alivia a dor.

Os aparelhos de estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS) usam uma corrente elétrica de baixa voltagem para aumentar o fluxo sanguíneo. Num estudo de 2019 da Universidade Harvard, pessoas com dor nas costas que usaram o aparelho tiveram queda significativa da dor e aumento da qualidade de vida.