Em casa, idosos adotam novas atividades e abusam da tecnologia na pandemia

Por meio da tecnologia, os idosos têm conseguido se conectar com o mundo e se reinventar nesta quarentena, adquirindo novos hábitos.

Julia Monsores | 28 de Julho de 2020 às 19:00

Jovanmandic/iStock -

A pandemia do novo coronavírus teve início em março com um alerta especial aos idosos com mais de 60 anos: nada de saídas ou visitas desnecessárias, disseram os especialistas por todo o mundo.

Passados agora quatro meses, o principal grupo de risco da doença já adotou novos hábitos de lazer e muitos abraçaram a tecnologia.

Aos poucos, a vida retoma sua normalidade, mas com novos hábitos e rotinas

Para muitos idosos, a quarentena tem sido momento de adquirir novos hábitos. (Imagem: Paperkites/iStock)

As caminhadas ao ar livre deram lugar aos bordados e afazerem manuais; as práticas de esportes foram substituídas por encontros online; as aulas, seja de idiomas ou mesmo de dança do ventre, passaram a ser acompanhadas pelo computador. Há, inclusive, quem admita que tem se soltado ainda mais nos rebolados dentro de casa.

Esse é o caso da bibliotecária e professora aposentada Eurides Vieira de Almeida, 70, que afirma não ter se abatido com as restrições. Na verdade, diz estar mais ativa agora. “Juro, acho que sou a única pessoa que não briguei com a pandemia. Não quero ser sua inimiga, nos respeitamos. Comecei bem e pretendo terminar bem.”

“Desde o primeiro dia eu falei ‘caramba, vou mudar minha vida’. Sem caminhadas, comecei a descer as escadas do prédio. Cento e noventa degraus até o 12º andar. E comecei a fazer os cursos Em Casa Com Sesc. Faço zumba, suo para caramba. Até a dança do ventre, que eu fazia presencial, fiquei mais solta fazendo em casa”, afirma ela.

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Moradora da região da Consolação, no centro de São Paulo, Almeida vive sozinha e desde o início da pandemia sai de casa apenas para o mercado e para a farmácia, e sempre que faz isso não esquece da máscara e da luva. Visitas, apenas as do filho, e mesmo assim, esporádicas. Com as amigas, apenas por mensagens e vídeo.

Dificuldade? Quase nenhuma. Almeida afirma que antes mesmo da pandemia já era “meio doida por tecnologia”. “Era digitadora. Nos anos 1970, eu trabalhei no centro, na época em que o computador era do tamanho da minha sala. Eu gosto mesmo”, afirma ela, que também buscou ajuda na hora que encontrou algumas dificuldades.

“Coitado do idoso que não entrar nessa coisa de tecnologia. Analfabeto digital não vai dar certo, tudo vai ser assim, pelo notebook, pelo celular”, afirma Almeida. “Eu entrei em plataformas que dão essa ajuda a pessoas sozinhas. No meu caso eu queria saber mais de tecnologia, começaram a me ajudar a fazer reunião no Zoom.”

Mais do que nunca, a tecnologia vira uma necessidade

Por meio da tecnologia, idosos têm conseguido se conectar com o mundo e se reinventar. (Imagem: Wavebreakmedia/iStock)

A professora de espanhol Doriana Pires Barbosa dos Santos , 62, também sentiu um baque com a pandemia. De uma hora para outra, ela parou as aulas de pilates e os treinos de basquete, que fazia três vezes por semana. E assim, transformou os encontros com as amigas em reuniões online e começou a trabalhar de casa.

“Agora, faço só três vezes por semana uma sequência de exercícios, à tarde e à noite. Polichinelos, abdominais, pernas… vou me virando. Fora isso, o lazer mesmo é na TV e com essa maravilha que é a tecnologia, que aprendi a força”, brinca ela, citando algumas ferramentas: “Skype, Zoom, Google Meet…”

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Na quarentena, velhos hábitos do passado também voltaram com tudo

Zélia Bettini, 61, conta que neste período preferiu trazer de volta costumes antigos, como o tricô. (Imagem: Rawpixel/iStock)

Doriana Pires Barbosa dos Santos mora na região da Mooca, na zona leste de São Paulo, com uma das filhas e diz que, em quatro meses, foram três saídas apenas, em situações emergenciais, e confessa que o começo não foi fácil para se adaptar a nova rotina. “Dei uma ligeira surtada na primeira semana, até assustei minha filha”, recorda ela.

“Fiquei com acesso de ansiedade. Começou videoaula, gravação… Mas aí fiquei alguns dias mais quieta, emendou um feriado e eu consegui me programar. Agora estou lidando bem”, conta ela que dá aulas online do primeiro ao nono ano do ensino fundamental, em duas escolas da região.

Antes da pandemia, ela conta que usava muito pouco as ferramentas tecnológicas. Era Skype para uma aula ou outra online e “um pouco” de WhatsApp. “Agora faço tudo. Uso a plataformas da escola, faço videoaula, subo vídeo no YouTube, gero links. Nada como uma pandemia… Nesse ponto, em relação à tecnologia deu um arranque.”

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Menos tecnológica, Zélia Bettini Pedrosa, 61, preferiu trazer de volta hábitos do passado, como o tricô. Com a mãe, de 86 anos, ela tem feito golas de tricô para vender, e aproveita os restos de lã para fazer casaquinhos e mantas para doar a mães carentes, e cachecóis para moradores de rua.

Moradora de Santos, no litoral paulista, ela conta que parou com as caminhadas na praia, com os treinos na academia do prédio -agora fechada- e com os cafés com amigas. Apenas as aulas de espanhol com o grupo da terceira idade foram mantidas, apesar de serem online agora.

A novidade ficou por conta das máscaras, que Pedrosa tem feito com a mãe. Elas cortam e encaminham para uma amiga que costura os assessórios, entregues depois a um projeto que os doa em hospitais: “Totalmente voluntário”, afirma ela, que também passou a fazer vídeos sobre organização em suas redes sociais.

Ansiedade x tecnologia

Apesar da ansiedade afetar a todos, os idosos são os mais vulneráveis. (Imagem: SeventyFour/iStock)

A psicóloga Carla Guth afirma que a ansiedade é um dos problemas que podem atingir as pessoas na quarentena, independentemente da idade. “O impacto, na verdade, é para todos. Mas no caso do idoso, eles são o maior grupo de risco. Isso, por si só, pode gerar ansiedade, medo, tristeza. É uma tensão, uma situação que não controlamos.”

Para Guth, os impactos, na verdade, são muitos, mas não apenas negativos. Além da angústia provocada pelo isolamento e pelo risco da própria doença, muitos estão sentindo também a redução da autonomia, maior necessidade de ajuda, mas também uma maior liberdade e aproximação das pessoas por causa da tecnologia.

“A tecnologia virou uma necessidade. Muitos já usavam, mas outros descobriram agora e inseriram a chamada com família em suas rotinas, em alguns casos, aproximando mais as pessoas. Se antes eram encontros físicos aos finais de semana, agora são conversar diárias e com mais tempo de todos”, afirma.

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A importância das atividades online para idosos

Estar no mundo virtual, conectado, é importante para manter as atividades funcionais. (Imagem: Zinkevych/iStock)

Para o gerontólogo Felipe Souza Peito Silva Borges, professor do curso de cuidador de idosos do Senac, as atividades online ainda podem promover o empoderamento do idoso. “Isso inclui compras online, aplicativos. Na perspectiva de cultura, ainda temos as lives, música, que estimulam a memória, fortalecimento, autoestima.”

“O idoso que antes ia ao mercado, ao culto, e passa agora a ficar em casa pode ser afetado não apenas psicológico, mas também o físico e o intelectual. É importante manter as atividades funcionais”, diz ele, que tem feito com seus alunos vídeos de estimulação física para ajudar idosos cadeirantes em casas de repouso.

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Como agir com idosos em instituições ou que não se habituaram à tecnologia?

Não olhar para o idoso com olhar de menor capacidade é uma das atitudes que podem ajudá-lo neste período. (Imagem: lucigerma/iStock)

Segundo o especialista, o impacto do isolamento pode ser ainda maior para os idosos que estão em instituições, com a suspensão de visitas de familiares e voluntários, por questão de segurança. “Pode aparecer como ansiedade, sensação de desamparo, que pode levar uma desesperança”, afirma ele.

A psicóloga Guth também destaca que não são todos os idosos que conseguem se adaptar a nova rotina e mesmo à tecnologia. “Tem gente que não conseguiu ter isso em mãos, ficou mais isolado, perdeu autonomia, depende dos outros. O caminho que muitos tomam tem a ver com suas histórias de vida, de dificuldades.”

Por isso, ela orienta que os parentes e amigos não olhem para o idoso com olhar de menor capacidade. Segundo ela, é importante não infantilizar e tratá-lo de igual para igual. “Isso ajuda muito com a autoestima, para que eles desenvolvam seu potencial, falem, exponham desejos, mantenham a autoestima elevada.”

FERNANDA PEREIRA NEVES || FOLHAPRESS